Universal Concreto
Ana Catarina Pereira
Pronúncia do Norte
Dizer que a Casa da Calçada é uma estalagem de Amarante, vila histórica do norte é redutor, vazio de significado. Dizer que Amarante se situa a trinta minutos da invicta, resistindo estoicamente ao conceito de periferia de uma grande cidade, já deixa antever algo de bom. Mas se fizer justiça ao local visitado terei que dizer mais: terei que dizer que a Casa da Calçada é um refúgio de conforto, tranquilidade, beleza e prazer gastronómico.
As referências que tinha antes de visitar o local eram as melhores, o que não só deixava a fasquia muito elevada, como também reservava pouca margem para ser surpreendida. Das gentes do norte espero sempre simpatia e um orgulho bairrista, que lhes fica bem e é justificado por todos os prazeres sensoriais que nos oferecem. A equipa que me recebe na estalagem demonstra também elevada competência e vontade de agradar aos hóspedes.
Nesta casa, que preservou a traça original dos tempos das invasões napoleónicas, as paredes têm tons quentes, em bordeaux e amarelo-torrado. O conforto de cada recanto convida à leitura, ou ao prazer de estar só e não pensar em mais nada. Pelos quartos e espaços comuns espalham-se quadros emoldurados em talha dourada, com paisagens e retratos antigos de um tempo em que os vestidos tinham caudas compridas e os espartilhos delineavam as figuras femininas.
Mas as actuais exigências de conforto são totalmente satisfeitas. A estalagem foi recuperada e restaurada, criando uma harmonia entre a tradição e a modernidade. Um projecto como este comporta sempre algum risco: são necessárias grandes doses de bom gosto para ser fiel ao original, inserindo peças de design contemporâneo. O fado de Marisa percorre os corredores, sublinhando a dualidade do ambiente.
Aproveito os últimos raios de sol para passear pelas vinhas da quinta, que detém uma produção exclusiva de vinho verde, espumante, branco e tinto. A vista sobre o rio Tâmega e o centro histórico de Amarante fazem-me fechar o livro e querer deliciar o olhar de outra forma. À noite descanso na suite presidencial, onde o romantismo é completado com pétalas de rosa espalhadas pela cama. O conforto e o requinte não cederam à ostentação desmesurada e o bom gosto dita as regras de decoração.
Ao almoço tenho hipótese de comprovar a razão pela qual este é o único restaurante do norte com uma estrela no guia Michelin 2005 e 2006. Ricardo Costa, o Chef de apenas 28 anos, conta com um vasto curriculum gastronómico e duas nomeações consecutivas no prémio internacional de cozinha integrado no congresso Lo Mejor de la Gastronomia.
O prémio de melhor cozinheiro do mundo atribuído anualmente por «nuestros hermanos» em San Sebastian. O respeito pelos ingredientes, a confecção delicada e a decoração cuidada dos pratos conquistam os espíritos mais críticos. As entradas são servidas com requinte, seguindo-se uma refeição leve de arroz de peixe da costa portuguesa, acompanhada por alguns dos vinhos produzidos na quinta da estalagem. A Casa da Calçada detém uma produção exclusiva de vinho verde, espumante, branco e tinto.
À noite regresso à suite presidencial, nas margens do rio Tâmega, com vista para o centro histórico da vila. A cama, com pétalas de rosa, convida ao descanso nesta suite presidencial, Na manhã seguinte aproveito os espaços comuns da estalagem e o terraço à beira rio para ler, escrever e recuperar energias. O espaço não podia ser mais inspirador.
Ao almoço esperam-me ainda algumas surpresas, que conseguem superar a noite anterior.
De entrada, no Menu Degustação, sugerem-me vieira sobre couve-flor trufada, com clorofila de espinafres, toucinho salgado e caviar Beluga. A sopa é um aveludado de lagostins com couscous e tomate, que delicia o paladar e cuja receita inovadora resulta muito bem. E de prato principal delicio-me com a melhor receita de bacalhau alguma vez experimentada (não estou a exagerar e já experimentei mais de cem receitas de norte a sul do país): taco de bacalhau em tempura, com açorda de ovas, espargos verdes e espuma quente de coentros. Simplesmente divino! Nuestros hermanos acertaram na nomeação, espero que este ano atribuam o prémio, que o orgulho nacional já me invade, não sei se por influência regional, se gastronómica.
De sobremesa, o creme de leite em espuma com pepitas de açúcar Demerara faz-me querer repetir o pecado da gula cada vez que voltar aqui. Porque as saudades já me invadem e este espaço conquistou todos os meus sentidos, sem margem para arrependimentos.
Coordenadas
Casa da Calçada
Largo do Paço, 6,
4600 – 017 Amarante.
Tel: 255 410 830.
Ana Catarina Pereira